Lei de Improbidade

Acordo de Não Persecução Civil (Art. 17-B)

11/03/2025, Por: Wallace Matheus
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A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992) sofreu alterações significativas com o advento da Lei n° 14.230/2021. Entre essas mudanças, destaca-se a introdução do art. 17-B, que regulamenta a celebração do Acordo de Não Persecução Civil (ANPC) no âmbito da improbidade administrativa. Essa inovação visa promover maior eficiência na resolução de conflitos relacionados a atos de improbidade, seguindo uma lógica de reparação do dano ao erário e atendimento de interesses públicos.


1. Conceito do Acordo de Não Persecução Civil (ANPC)

Acordo de Não Persecução Civil (ANPC) introduzido pelo artigo 17-B reconhece a possibilidade de resolução de casos de improbidade administrativa por meio de acordo, fora do tempo tradicional de ação judicial e da penalização clássica, desde que atendidos certos condicionantes. O objetivo é possibilitar uma solução mais célere e eficiente para a reparação de danos à administração pública, priorizando os interesses públicos e a efetividade no combate à corrupção.

Nesse sentido, o ANPC representa um mecanismo alternativo de solução de controvérsias, alinhado à tendência de consensualidade observada no direito contemporâneo, como ocorre no âmbito penal com o acordo de não persecução penal.


2. Requisitos Legais do Acordo de Não Persecução Civil

O art. 17-B determina uma série de requisitos e condições cumulativas para que o ANPC seja firmado. Esses elementos buscam assegurar que o acordo seja vantajoso para o interesse público e respeite os princípios constitucionais e legais que regem a administração pública.

Principais requisitos:

  1. Resultados esperados do acordo (caput):
    • Integral ressarcimento do dano causado pelo ato de improbidade administrativa;
    • Reversão à pessoa jurídica lesada das vantagens indevidamente obtidas, ainda que oriundas de agentes privados.
  2. Condições para celebração do acordo (§ 1º):
    A celebração do ANPC depende cumulativamente de:
    • Oitiva do ente federativo lesado: Deve ocorrer antes ou depois do início da propositura da ação.
    • Aprovação pelo Ministério Público: O órgão competente deve aprovar o acordo em até 60 dias nas situações em que ele ocorre antes do ajuizamento da ação.
    • Homologação judicial: É obrigatória, independentemente de o acordo ser celebrado antes, durante ou após a propositura da ação de improbidade administrativa.
  3. Análise do caso concreto (§ 2º):
    Para decidir sobre a viabilidade do acordo, devem-se considerar:
    • Personalidade do agente;
    • Natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do ato de improbidade;
    • Vantagens para o interesse público com a solução ágil do conflito.
  4. Oitiva do Tribunal de Contas (§ 3º):
    Havendo danos, o valor a ser ressarcido ao erário deve ser apurado em consulta ao Tribunal de Contas competente, que terá o prazo de 90 dias para indicar os parâmetros de cálculo.
  5. Outros momentos para celebração do acordo (§ 4º):
    • Durante a investigação do ilícito;
    • No curso da ação judicial por improbidade;
    • No momento da execução da sentença condenatória.
  6. Participação e medidas complementares (§ 5º e § 6º):
    • As negociações devem ocorrer entre o Ministério Público, o investigado/demandado e seus defensores (§ 5º).
    • O acordo pode incluir medidas voltadas à melhoria da governança, como:
      • Adoção de mecanismos de integridade (compliance);
      • Procedimentos internos de auditoria;
      • Incentivo à denúncia de irregularidades;
      • Criação e aplicação de códigos de ética e conduta (§ 6º).
  7. Consequências do descumprimento (§ 7º):
    Em caso de descumprimento do acordo, o agente público ou demandado será impedido de firmar novo ANPC pelo prazo de 5 anos contados a partir do conhecimento do descumprimento pelo Ministério Público.

3. Vantagens do Acordo de Não Persecução Civil

O ANPC é um avanço importante no combate à improbidade administrativa devido às suas vantagens práticas, como:

  1. Celeridade e eficiência no ressarcimento ao erário:
    O acordo permite solucionar controvérsias sem necessidade de longas disputas judiciais, garantindo recuperação mais rápida dos recursos públicos desviados.
  2. Descongestionamento do Judiciário:
    A possibilidade de acordos reduz o número de ações judiciais, facilitando a atuação mais eficiente em casos complexos que não podem ser resolvidos consensualmente.
  3. Foco na reparação do dano:
    O principal objetivo do ANPC é assegurar a reparação integral do prejuízo causado pelo ato de improbidade, priorizando o interesse público.
  4. Flexibilidade e eficácia:
    O uso do ANPC possibilita soluções adaptadas às circunstâncias de cada caso concreto, promovendo o equilíbrio entre repressão e prevenção.
  5. Fortalecimento do compliance nas organizações:
    Ao incluir em seus termos medidas como programas de integridade, auditoria e códigos de ética, o ANPC incentiva mudanças estruturais em empresas e órgãos que conduzem a uma administração pública mais transparente.

4. Limitações e Critérios de Aplicação

Apesar dos benefícios, o ANPC apresenta algumas limitações e desafios práticos:

  1. Gravidade e repercussão social do ato:
    Casos de maior gravidade ou que gerem ampla repercussão negativa para a coletividade podem ser considerados inadequados para o acordo, especialmente quando o interesse público exige uma punição exemplar.
  2. Necessidade de assegurar proporcionalidade:
    É indispensável que o acordo respeite os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, garantindo que as vantagens obtidas não se sobreponham às penalidades que seriam impostas.
  3. Papel central do Ministério Público:
    A atuação do Ministério Público pode ser um fator de discrepância na aplicação do ANPC, já que sua aprovação prévia é um requisito obrigatório, trazendo a discussão sobre critérios uniformes.
  4. Dependência de homologação judicial:
    A obrigatoriedade da homologação pelo Judiciário, embora seja importante para evitar abusos e conferir legitimidade ao acordo, pode trazer demoras ou questionamentos adicionais na execução.
  5. Cautela em casos de corrupção sistêmica:
    Em contextos onde há práticas reiteradas de corrupção por redes organizadas, o ANPC deve ser utilizado com moderação para não incentivar o “cálculo do risco” por agentes ímprobos que deliberadamente infrinjam a lei.

5. Aspectos processuais e práticos do Acordo

O ANPC se apresenta como um modelo de solução negociada, mas sua aplicação prática depende do cumprimento de determinados trâmites processuais:

  • Propositura: Inicia-se com o Ministério Público, fundamentado em parecer técnico e análise do caso concreto.
  • Consulta ao ente lesado: A manifestação do ente público prejudicado é indispensável, pois é ele o principal beneficiário do ressarcimento.
  • Homologação judicial: É um controle adicional para assegurar a validade e eficiência jurídica do acordo.
  • Execução: Após homologado, o ANPC pode ser executado imediatamente, inclusive com previsão de consequências em caso de descumprimento.

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