A Lei Penal no Tempo
A aplicação da lei penal no tempo é um dos temas fundamentais do Direito Penal, pois este é regido por princípios que regulam como as normas penais são aplicadas diante de mudanças legislativas. Essas normas procuram garantir equilíbrio entre a proteção da ordem jurídica e os direitos fundamentais do acusado.
O Princípio da Irretroatividade da Lei Penal
O ponto de partida no estudo da lei penal no tempo é o princípio da irretroatividade da lei penal, que significa que a lei penal nova não pode retroagir para prejudicar o réu ou aplicar novos comportamentos como crimes se, na época de sua prática, não eram considerados ilícitos.
Esse princípio está fundamentado em distintos instrumentos normativos:
- Constituição Federal (Art. 5º, XL):“A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.”
- Código Penal (Art. 2º):“Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.”
Assim, o Direito Penal brasileiro adota um sistema misto ao tratar da retroatividade:
- Proibição de retroatividade: Quando prejudica o acusado – trata-se de uma vedação constitucional e absoluta.
- Permissão da retroatividade: Quando beneficia o réu (novatio legis in mellius), sendo uma exceção favorável ao acusado para garantir seus direitos fundamentais.
Aplicação da Lei Penal no Tempo
Para compreender como a lei penal é aplicada no tempo, é necessário distinguir dois principais momentos jurídicos:
O Tempo do Crime
O momento do crime é crucial para decidir qual norma se aplica. O artigo 4º do Código Penal estabelece:
“Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.”
Aqui, adota-se a Teoria da Atividade, segundo a qual:
- Considera-se o fato criminoso regido pela lei vigente à época da conduta (ação ou omissão), e não pela lei vigente no momento do resultado.
As Mudanças Legislativas
Quando uma nova lei entra em vigor, sua eventual retroatividade ou aplicação aos casos pendentes dependerá de seu impacto nos direitos do réu. Alterações legislativas podem gerar três situações distintas:
- Abolitio Criminis:
Ocorre quando a nova lei deixa de considerar determinada conduta como crime. Consequências:- Extinção da punibilidade.
- Afeta tanto os processos em curso quanto os que já possuem condenação definitiva.
Exemplo clássico: os casos de Maria da Penha antes de seu enquadramento formal na Lei 11.340/06.
- Novatio Legis Incriminadora:
Trata-se da criação de uma nova norma que considera uma conduta anteriormente lícita como criminosa. É vedado que tenha aplicação retroativa, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei penal prejudicial. - Novatio Legis in Mellius:
Trata-se de introdução de uma lei mais benéfica ao réu ou ao acusado. Nestes casos, há permissão constitucional para que essas normas retroajam.
Exemplos práticos:- Diminuição de pena prevista na nova legislação.
- Criação de novas condições de isenção de pena (como o arrependimento posterior).
- Lex Gravior:
Encarna a situação em que a nova lei é mais severa em relação ao crime ou à pena. Nesse caso, jamais pode ser retroativa, sendo aplicada exclusivamente aos fatos ocorridos após sua entrada em vigor.
A Ultratividade da Lei Penal
Ocorre a ultratividade da lei penal quando uma norma penal que foi revogada continua a produzir efeitos quanto aos fatos ocorridos sob sua vigência.
A ultratividade, assim, aparece para beneficiar o réu em situações como:
- Quando se aplica uma lex mitior (lei benéfica) mesmo após a sua revogação.
- Exemplo: redução de pena durante a vigência de lei mais branda.
Princípios Relacionados à Lei Penal no Tempo
Princípio da Segurança Jurídica
- Impede que leis mais severas sejam aplicadas retroativamente, protegendo o indivíduo contra mudanças drásticas nos padrões normativos.
Princípio da Legalidade
- Estabelece que não há crime nem pena sem lei anterior que os defina (nullum crimen, nulla poena sine lege). Por isso, a aplicação retroativa de normas prejudiciais é vedada, conforme o próprio art. 5º, XXXIX da Constituição.
Princípio da Justiça das Penas
- Busca evitar que indivíduos sejam punidos com maior rigor do que aquele estabelecido pela lei no momento do fato, garantindo proporcionalidade entre pena e norma.
Casos de Direito Intertemporal
Situações excepcionais podem envolver dúvidas sobre qual lei deve ser aplicada. Nessas circunstâncias, aplicam-se os critérios acima à luz do artigo 2º do Código Penal.
Crime Continuado ou Permanente
- Nos casos de crimes continuados ou permanentes, considera-se que:
- Se a vigência da nova lei ocorrer enquanto o crime ainda estiver sendo cometido, aplica-se a norma vigente ao término da ação criminosa.
- Exemplo: caso de um sequestro iniciado sob uma lei e terminado sob outra.
Crime em Concurso
- Quando há crimes cometidos em diferentes momentos legais, cada conduta será regulada pela norma vigente ao tempo de sua execução.
Alterações e Impactos Pivotais
No Direito Penal Brasileiro, várias alterações legislativas tiveram grande impacto, destacando-se:
- Lei de Drogas (Lei 11.343/2006): Essa norma alterou sensivelmente as penas e a forma de tratamento dos crimes relacionados ao tráfico e ao uso de entorpecentes.
- Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019): Criou regras mais severas em relação à progressão de regimes e pena para crimes graves, mas também trouxe benefícios como a ampliação de hipóteses que favorecem a aplicação de penas alternativas.
Direito Penal no Tempo e Direito Processual Penal
O estudo da lei no tempo posiciona-se essencialmente na esfera material (penal), mas no campo processual penal também há regras aplicáveis à retroatividade:
- No Direito Processual, a nova norma tem aplicação imediata aos processos em andamento, salvo no caso de causar prejuízos às garantias do réu.