
Juizados Especiais Criminais
A Lei 9.099/1995 institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, trazendo significativas inovações para o sistema judicial brasileiro. Seu objetivo central é conferir maior acesso à Justiça, especialmente nos casos de menor complexidade (na área cível) e de menor potencial ofensivo (na área criminal).
A compreensão do funcionamento dos Juizados Especiais Criminais (JECRIM) é fundamental para concursos públicos da área jurídica, pois envolve princípios diferenciados, procedimentos simplificados e soluções alternativas para conflitos penais de pequena gravidade. Essa explicação detalha as principais características, regras processuais, institutos despenalizadores e nuances relevantes desse sistema.
Estrutura e Competência dos Juizados Especiais Criminais
Estrutura do JECRIM
O JECRIM é constituído por juízes togados e, eventualmente, por juízes leigos (Art. 60), e é responsável pela conciliação, julgamento e execução das infrações de menor potencial ofensivo.
Conceito de Infração de Menor Potencial Ofensivo:
Segundo o art. 61 da Lei 9.099/95, são as contravenções penais e os crimes com pena máxima não superior a 2 anos, com ou sem multa. A definição é relevante para a delimitação do alcance dos Juizados Especiais Criminais.
Observação:
Crimes com pena mínima igual ou inferior a 1 ano podem ensejar a suspensão condicional do processo (art. 89). Já a competência do juizado, de modo geral, é firmada pelo local da infração penal (art. 63).
Princípios Norteadores
O procedimento no JECRIM orienta-se pelos critérios da:
- Oralidade
- Simplicidade
- Informalidade
- Economia processual
- Celeridade
(Art. 62)
Esses princípios buscam tornar o processo menos burocrático, mais eficiente e resolutivo, privilegiando a reparação do dano e medidas alternativas à prisão.
Procedimento: Fase Preliminar e Fase Sumariíssima
Fase Preliminar: Termo Circunstanciado e Audiência
- Lavratura do Termo Circunstanciado (Art. 69):
Quando a autoridade policial toma conhecimento de infração de menor potencial ofensivo, lavra termo circunstanciado e encaminha ao Juizado, junto com autor do fato e vítima.
Destaque: Não se impõe prisão em flagrante nem fiança, exceto em violência doméstica (quando o juiz poderá determinar afastamento do lar). - Audiência Preliminar (Arts. 70-75):
- Tentativa de conciliação e composição dos danos civis.
- Possibilidade de transação penal proposta pelo Ministério Público: aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, não gerando reincidência (art. 76).
Observações e Pontos de Atenção
- Acordo extrajudicial homologado tem natureza de título executivo judicial e, em ações penais privadas/condicionadas, implica renúncia ao direito de queixa ou representação (art. 74, PU).
- Mesmo após a audiência preliminar, o direito de representação pode ser exercido no prazo legal (art. 75, PU).
Fase Sumariíssima: Procedimento Simplificado
- Denúncia ou Queixa Oral (Art. 77):
Havendo necessidade, o Ministério Público oferece denúncia oral, com dispensa de inquérito policial. - Citação e Defesa (Art. 78):
Realizadas imediatamente, com intimação das partes para audiência de instrução e julgamento. - Audiência de Instrução e Julgamento (Art. 81):
Produção de provas, debates orais e prolação de sentença, preferencialmente em uma única audiência.
A AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO NO JUÍZADO ESPECIAL CRIMINAL (ART. 81 DA LEI 9.099/1995)
O art. 81 da Lei 9.099/1995 trata do rito da audiência de instrução e julgamento, núcleo central do procedimento sumariíssimo nos Juizados Especiais Criminais (JECRIM). Nesta audiência se concentram todos os atos instrutórios e decisórios, refletindo o princípio da celeridade e da oralidade, que norteiam a atuação dos Jecrims. Dominar essa estrutura é indispensável para quem almeja ser aprovado em concursos públicos da área jurídica.
Estrutura da Audiência de Instrução e Julgamento
A audiência é iniciada com a palavra ao defensor, que fará a resposta à acusação. Este momento corresponde, no processo comum, à defesa preliminar, porém aqui se realiza oralmente, e não em peça escrita.
Ato contínuo, o juiz decide sobre o recebimento da denúncia ou queixa. Assim, pode rejeitá-las desde logo se vislumbrar, por exemplo, ausência de justa causa ou inépcia, demonstrando um filtro substancial que visa à racionalização processual.
Recebida a denúncia ou queixa, seguem-se os seguintes atos, todos de forma concentrada:
- Oitiva da vítima;
- Oitiva das testemunhas de acusação;
- Oitiva das testemunhas de defesa;
- Interrogatório do acusado, se presente;
- Debates orais, em que Ministério Público e Defesa fazem suas sustentações;
- Prolação imediata da sentença.
O modelo é essencialmente oral, concentrado, célere e permite o contraditório e ampla defesa.
Produção de Provas e Limitação Judicial
O §1º do art. 81 estabelece que todas as provas devem ser produzidas na própria audiência. O juiz possui poderes para limitar ou excluir provas excessivas, impertinentes ou protelatórias, defendendo a eficiência sem prejuízo aos direitos fundamentais.
Ponto de atenção:
A limitação probatória no JECRIM é excepcional, mas encontra respaldo na busca pela efetividade e simplicidade do procedimento, mantendo-se intactos o contraditório e a ampla defesa.
Respeito à Dignidade da Vítima
O §1º-A introduziu um dos tópicos mais atuais: a proteção da dignidade da vítima:
- Todos os presentes na audiência devem respeito à dignidade da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa.
- É vedada:
- a manifestação sobre fatos estranhos à apuração;
- a utilização de linguagem, informações ou materiais ofensivos à dignidade da vítima ou das testemunhas.
Cabe ao juiz assegurar o cumprimento dessas normas.
Observação importante:
Essas garantias, inspiradas pelo movimento de “proteção da vítima” no processo penal, têm forte respaldo em tratados internacionais (como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos) e vêm sendo incorporadas à jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Registro e Sentença
Pelo §2º, ao final da audiência, o juiz lavra termo resumido das ocorrências relevantes e da sentença, assinado pelas partes. Não se exige ata pormenorizada, em consonância com a informalidade e oralidade do rito.
O §3º dispensa o relatório formal tradicional, bastando que a sentença mencione os elementos de convicção que fundamentaram a decisão.
Súmulas e Jurisprudência Relacionadas
Súmula 525 do STJ:
“A suspensão condicional do processo é cabível na segunda fase do procedimento dos Juizados Especiais Criminais, ainda que já recebida a denúncia”.
Súmula 723 do STF:
“Não se admite transação penal nos crimes sujeitos ao rito dos Juizados Especiais Criminais, com pena mínima superior a dois anos”.
STJ: Oitiva da Vítima
O STJ, ao analisar o rito do JECRIM, reconhece que a ausência ou desistência da oitiva da vítima ou das testemunhas não implica nulidade automática, desde que garantido o contraditório e a ampla defesa.
Doutrina e Fontes Relevantes
- MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: Comentários à Lei 9.099/95.
- Manual dos Juizados Especiais Criminais – CNJ
- NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas.
Trecho doutrinário (Mirabete):
“A concentração dos atos instrutórios e decisórios numa mesma audiência, sem a necessidade de longas prorrogações, não só confere agilidade ao processo, mas também permite uma prestação jurisdicional mais efetiva, sem prejuízo ao devido processo legal.”
Observações Finais para Concursos
- A concentração e oralidade dos atos são marcas do procedimento sumariíssimo.
- Cabe ao juiz zelar pela regularidade, respeitando especialmente a dignidade da vítima e o direito de defesa.
- Toda a instrução, debates e sentença devem ocorrer preferencialmente em única audiência, mas sem prejuízo de eventual desmembramento se absolutamente necessário.
- A limitação probatória não pode violar direitos fundamentais, sendo controlada por eventual recurso.
- O respeito à vítima hoje é uma tônica irrefreável do processo penal brasileiro.
Resumo para revisão:
A audiência do JECRIM é ágil, oral e informal, mas rigorosa quanto ao contraditório, direito de defesa e respeito à vítima. Dominar seus detalhes é fundamental para gabarito em concursos públicos.
Recursos
- Apelação (Art. 82):
- Prazo: 10 dias.
- Julgamento por turma de 3 juízes no próprio Juizado.
- Embargos de Declaração (Art. 83):
- Prazo: 5 dias, interrompendo o prazo recursal.
Medidas Despenalizadoras
Transação Penal (Art. 76)
É proposta pelo MP para crimes de menor potencial ofensivo, desde que o acusado preencha requisitos específicos (não seja reincidente, não tenha obtido o benefício há menos de 5 anos, etc.).
Efeitos:
Não configura reincidência, serve apenas para impedir novo benefício em 5 anos.
SÚMULA 723-STF
NÃO SE ADMITE A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO POR CRIME CONTINUADO, SE A SOMA DA PENA MÍNIMA DA INFRAÇÃO MAIS GRAVE COM O AUMENTO MÍNIMO DE UM SEXTO FOR SUPERIOR A UM ANO.
Suspensão Condicional do Processo (Art. 89)
É a proposta de suspensão do processo (sursis processual) por 2 a 4 anos, em crimes cuja pena mínima seja igual ou inferior a 1 ano.
Condições básicas:
- Reparação do dano
- Proibição de frequentar determinados lugares
- Comparência mensal em juízo, etc.
SÚMULA 243-STJ
“O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.”
Execução e Disposições Gerais
- Pena de Multa (Art. 84):
Pagamento na Secretaria do Juizado, com extinção da punibilidade e exclusão dos registros criminais (com ressalvas). - Conversão em pena mais gravosa nos casos de inadimplência (Art. 85).
- Competência para execução de outras penas (Art. 86).
Aplicação e Limitações
- Não se aplica nos casos em que a instrução já foi iniciada (art. 90).
- Não se aplica à Justiça Militar (art. 90-A).
- Casos em que passa a ser exigida representação: ofendido tem 30 dias para oferecê-la (art. 91).
- O CPP e o CP são aplicados de forma subsidiária, desde que não haja incompatibilidade (art. 92).
Observações Relevantes para Concursos
- A formalidade é reduzida nos JECRIM, mas há garantias de contraditório, ampla defesa e respeito ao devido processo legal.
- A transação penal e a suspensão condicional do processo não geram reincidência, mas impedem benefício idêntico por 5 anos.
- O acusado não pode ser preso em flagrante ou submetido a fiança quando se compromete a comparecer em juízo, salvo violência doméstica.
- Nos JECRIMs, prepondera o acordo e a resolução consensual (“composição dos danos”), até mesmo antes de denúncia.
Súmulas dos Tribunais Superiores
Súmula 723, STF:
Não se admite transação penal nos crimes sujeitos ao procedimento dos Juizados Especiais Criminais, se a pena mínima cominada for superior a dois anos.
Súmula 243, STJ:
O benefício da suspensão condicional do processo é aplicável às infrações penais em geral (desde que preenchidos os requisitos), inclusive nos casos de concurso de crimes e contravenções.
Referências e Fontes de Consulta
- Lei 9.099/1995 – Texto completo
- NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Forense.
- Súmulas do STF
- Súmulas do STJ
- MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais.
Pontos-chave para revisão de concursos:
- Definições de menor potencial ofensivo e infrações abrangidas;
- Procedimentos diferenciados (transação penal, composição de danos, suspensão condicional do processo);
- Princípios do procedimento;
- Competência dos juizados;
- Limitações legais e hipóteses de exceção à aplicação.