Abuso de Autoridade

(Resumo) Lei de Abuso de Autoridade

14/05/2025, Por: Wallace Matheus
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A Lei nº 13.869, sancionada em 2019 e com entrada em vigor em janeiro de 2020, veio para substituir a antiga Lei nº 4.898/1965, buscando modernizar e detalhar a tipificação dos crimes de abuso de autoridade no Brasil. Seu objetivo principal é coibir excessos e arbitrariedades por parte de agentes públicos no exercício de suas funções, garantindo maior proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos.


Disposições Gerais (Capítulo I)

  • Conceito Central (Art. 1º): A lei define o abuso de autoridade como o ato de um agente público (servidor ou não) que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abusa do poder que lhe foi conferido.
  • Elemento Subjetivo Específico – Dolo Específico (Art. 1º, § 1º): Este é um dos pontos mais importantes da lei e frequentemente cobrado em provas! Para que a conduta seja crime de abuso de autoridade, não basta a simples prática do ato. É essencial que o agente tenha agido com uma finalidade específica (dolo específico):
    • Prejudicar outrem; OU
    • Beneficiar a si mesmo ou a terceiro; OU
    • Agir por mero capricho ou satisfação pessoal.
    • Atenção: A ausência comprovada dessa finalidade específica afasta o crime de abuso de autoridade, podendo a conduta configurar, eventualmente, apenas ilícito administrativo ou civil.
  • Excludente de Ilicitude Específica (Art. 1º, § 2º): A lei expressamente exclui a configuração do crime quando a conduta se baseia em divergência na interpretação da lei ou na avaliação de fatos e provas.
    • Observação: Isso visa proteger a atividade fim de diversas carreiras (como juízes, promotores, delegados, auditores) que envolvem interpretação e avaliação, evitando a criminalização de atos que, embora possam ser revistos ou contestados, não configuram abuso intencional.

Sujeitos do Crime (Capítulo II)

  • Sujeito Ativo (Art. 2º): O crime de abuso de autoridade é um crime próprio, ou seja, só pode ser cometido por agente público. A lei adota um conceito amplíssimo de agente público, abrangendo:
    • Servidores públicos e militares (e equiparados).
    • Membros dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
    • Membros do Ministério Público.
    • Membros dos Tribunais ou Conselhos de Contas.
    • Parágrafo único (Importante!): Considera-se agente público todo aquele que exerce função pública, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, por qualquer forma de investidura (eleição, nomeação, designação, contratação, etc.). Inclui estagiários, mesários eleitorais, jurados, etc., quando no exercício da função pública.
  • Sujeito Passivo: Pode ser o Estado (mediato) e a pessoa física ou jurídica diretamente prejudicada pela conduta abusiva (imediato).

Ação Penal (Capítulo III)

  • Natureza da Ação (Art. 3º): Todos os crimes previstos na Lei de Abuso de Autoridade são de ação penal pública incondicionada. Isso significa que o Ministério Público (MP) deve promover a ação penal independentemente de representação do ofendido.
  • Ação Privada Subsidiária da Pública (Art. 3º, §§ 1º e 2º): Caso o MP não ofereça a denúncia no prazo legal (inércia), o ofendido (ou seu representante legal) pode intentar a ação penal privada subsidiária da pública.
    • Prazo: 6 meses, contados do dia em que se esgotar o prazo para o MP oferecer a denúncia.
    • Atuação do MP: Mesmo na ação privada subsidiária, o MP atua como custos legis (fiscal da lei), podendo aditar a queixa, intervir, fornecer provas, recorrer e, em caso de negligência do querelante (quem entrou com a ação privada), retomar a ação como parte principal.

Efeitos da Condenação e Penas Restritivas de Direitos (Capítulo IV)

  • Efeitos da Condenação (Art. 4º):
    1. Obrigação de Indenizar: Torna certa a obrigação de reparar o dano causado. O juiz, a pedido do ofendido, deve fixar um valor mínimo na sentença penal.
    2. Inabilitação: Para exercício de cargo, mandato ou função pública (período de 1 a 5 anos).
    3. Perda do Cargo: Perda do cargo, mandato ou função pública.
  • Condicionantes dos Efeitos II e III (Parágrafo Único – Crucial!): A inabilitação e a perda do cargo NÃO SÃO AUTOMÁTICAS. Elas dependem de duas condições cumulativas:
    1. Reincidência específica: O agente deve ser reincidente em crime de abuso de autoridade.
    2. Declaração Motivada na Sentença: O juiz deve declarar esses efeitos de forma expressa e fundamentada na sentença.
    • Atenção: Um agente condenado pela primeira vez por abuso de autoridade, mesmo que a pena seja alta, não perderá o cargo nem será inabilitado como efeito desta condenação específica (Art. 4º), embora possa sofrer sanções administrativas que levem à perda do cargo por outra via.
  • Penas Restritivas de Direitos (Art. 5º): Além da pena privativa de liberdade (detenção) e multa, a lei prevê penas restritivas de direitos que podem substituí-las ou ser aplicadas cumulativamente:
    1. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.
    2. Suspensão do exercício do cargo/função/mandato (prazo de 1 a 6 meses), com perda dos vencimentos e vantagens.

Sanções Civis e Administrativas (Capítulo V)

  • Independência das Instâncias (Art. 6º e 7º): A responsabilidade penal é independente das responsabilidades civil e administrativa. A punição criminal não impede a aplicação de sanções cíveis (indenização) ou administrativas (disciplinares).
    • Ponto de Atenção (Art. 7º – parte final): Há uma comunicação importante entre as esferas. Se a existência do fato ou a autoria forem decididas no juízo criminal, essa decisão vincula as esferas cível e administrativa (não se pode mais discutir se o fato ocorreu ou quem o cometeu).
  • Coisa Julgada Penal Absolutória (Art. 8º): Se a sentença penal absolver o réu por reconhecer que o ato foi praticado em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito (excludentes de ilicitude), essa decisão faz coisa julgada também nos âmbitos cível e administrativo-disciplinar, impedindo a responsabilização nessas outras esferas pelo mesmo fato.

Crimes e Penas (Capítulo VI)

Este é o coração da lei, onde os tipos penais são descritos. É fundamental conhecer as condutas proibidas. Alguns exemplos relevantes (a lista é extensa, mas focaremos em alguns chave):

  • Art. 9º: Decretar prisão/medida privativa de liberdade em manifesta desconformidade com a lei. Pena: detenção, 1-4 anos, multa.
  • Art. 10: Decretar condução coercitiva manifestamente descabida ou sem prévia intimação. Pena: detenção, 1-4 anos, multa.
  • Art. 12: Deixar de comunicar prisão em flagrante ao juiz no prazo legal; deixar de comunicar prisão à família; deixar de entregar nota de culpa; prolongar prisão indevidamente. Pena: detenção, 6m-2 anos, multa.
  • Art. 13: Constranger preso (violência, ameaça) a exibir-se, submeter-se a vexame ou produzir prova contra si/terceiro. Pena: detenção, 1-4 anos, multa (+ pena da violência).
  • Art. 15: Constranger a depor, sob ameaça de prisão, quem tem dever de sigilo; prosseguir interrogatório de quem exerceu direito ao silêncio ou pediu advogado (sem este). Pena: detenção, 1-4 anos, multa.
  • Art. 15-A (Violência Institucional): Submeter vítima/testemunha de crime violento a procedimentos desnecessários/repetitivos/invasivos, causando revitimização. Pena: detenção, 3m-1 ano, multa (com causas de aumento). Observação: Incluído pela Lei 14.321/2022.
  • Art. 16: Deixar de se identificar ou identificar-se falsamente ao preso. Pena: detenção, 6m-2 anos, multa.
  • Art. 18: Interrogar preso durante repouso noturno (salvo flagrante ou consentimento assistido). Pena: detenção, 6m-2 anos, multa.
  • Art. 20: Impedir entrevista reservada do preso com advogado (sem justa causa). Pena: detenção, 6m-2 anos, multa.
  • Art. 22: Invadir domicílio sem determinação judicial ou fora das hipóteses legais (inclui cumprir mandado entre 21h e 5h). Exceções: socorro, flagrante delito, desastre. Pena: detenção, 1-4 anos, multa.
  • Art. 23: Inovar artificiosamente local/coisa/pessoa para eximir-se ou incriminar alguém. Pena: detenção, 1-4 anos, multa.
  • Art. 25: Obter prova por meio manifestamente ilícito; usar prova ilícita conhecida. Pena: detenção, 1-4 anos, multa.
  • Art. 27: Instaurar investigação sem qualquer indício contra alguém. Pena: detenção, 6m-2 anos, multa. (Não se aplica a investigação preliminar justificada).
  • Art. 30: Dar início a persecução penal/civil/administrativa sem justa causa ou contra quem sabe inocente. Pena: detenção, 1-4 anos, multa.
  • Art. 31: Procrastinar investigação injustificadamente em prejuízo do investigado. Pena: detenção, 6m-2 anos, multa.
  • Art. 32: Negar acesso aos autos de investigação ao interessado/defensor (ressalvadas diligências em curso sigilosas). Pena: detenção, 6m-2 anos, multa.
    • Jurisprudência Relevante (STF): Este artigo está em linha com a Súmula Vinculante nº 14 do STF: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”
  • Art. 33: Exigir obrigação sem expresso amparo legal; usar cargo para se eximir de obrigação ou obter vantagem indevida. Pena: detenção, 6m-2 anos, multa.
  • Art. 38: Antecipar atribuição de culpa (via comunicação/rede social) antes de concluída apuração e formalizada acusação. Pena: detenção, 6m-2 anos, multa.

Procedimento (Capítulo VII)

  • Art. 39: Aplica-se o Código de Processo Penal (CPP) e, no que couber (para crimes de menor potencial ofensivo – pena máxima até 2 anos), a Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais).

Disposições Finais (Capítulo VIII)

  • Alterações em outras Leis: A lei alterou dispositivos das leis de prisão temporária (Lei 7.960/89), interceptação telefônica (Lei 9.296/96), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94).
  • Revogação Expressa (Art. 44 – Importante!): Revogou expressamente a Lei nº 4.898/1965 (antiga lei de abuso de autoridade) e os artigos 150, § 2º (violação de domicílio qualificada pela função pública) e 350 (exercício arbitrário ou abuso de poder – tipo penal genérico revogado) do Código Penal.
  • Vacatio Legis (Art. 45): A lei teve um período de vacatio legis de 120 dias.

Para sua prova, concentre-se em:

  1. Dolo Específico: Entender que a finalidade de prejudicar, beneficiar ou o mero capricho é essencial (Art. 1º, § 1º).
  2. Sujeito Ativo: O conceito amplo de agente público (Art. 2º).
  3. Ação Penal: Pública incondicionada (Art. 3º).
  4. Efeitos da Condenação: Saber que a perda do cargo e a inabilitação não são automáticas e exigem reincidência específica + declaração na sentença (Art. 4º).
  5. Independência das Instâncias: Mas com a comunicação quanto à existência do fato e autoria, e a coisa julgada das excludentes de ilicitude (Arts. 6º, 7º, 8º).
  6. Tipos Penais: Familiarize-se com as condutas descritas no Capítulo VI, prestando atenção aos verbos, elementos normativos (“manifestamente”, “injustificadamente”) e às exceções (ex: Art. 22, § 2º). Destaque para os artigos que tratam de prisões, interrogatórios, direito de defesa (acesso aos autos, entrevista com advogado), violação de domicílio e investigações sem justa causa.
  7. Súmula Vinculante 14: Relacionada ao Art. 32.
  8. Revogação da Lei Anterior: Saber que a Lei 4.898/65 não está mais em vigor.

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